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Por que deixamos de ser vistos como seres capazes de decidir no final da vida?

Para professor de Direito Civil da UFRJ, a polêmica sobre o suicídio assistido vem de um tabu arraigado: 'O ponto de partida está na fuga da discussão sobre...

Por que deixamos de ser vistos como seres capazes de decidir no final da vida?
Por que deixamos de ser vistos como seres capazes de decidir no final da vida? (Foto: Reprodução)

Para professor de Direito Civil da UFRJ, a polêmica sobre o suicídio assistido vem de um tabu arraigado: 'O ponto de partida está na fuga da discussão sobre o processo de morrer'. Entenda o que é suicídio assistido Na coluna de terça, reproduzi o relato – certamente sem a riqueza de detalhes que pode ser conferida na gravação do debate “Morte assistida” – do geriatra Daniel Azevedo, que acompanhou um paciente decidido a se submeter ao suicídio assistido. Dada a profundidade das apresentações do evento do Fórum Permanente de Biodireito, Bioética e Gerontologia, promovido pela Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro, resolvi voltar ao tema, embora nem de longe esgote o assunto. Por que temos tanta dificuldade em discutir as questões que envolvem o fim da vida e o poder de decisão sobre ela? Para o médico Sergio Rego, coordenador do Programa de Pós-graduação em Bioética, Ética Aplicada e Saúde Coletiva – uma parceria entre Fiocruz, UERJ, UFF e UFRJ – e autor do livro “A formação ética dos médicos”, o curso de medicina se baseia numa crença de que a morte é uma derrota. “Há pacientes que são mandados para a UTI sem qualquer chance de recuperação”, afirmou. A obstinação terapêutica é a expressão utilizada para descrever o uso de medidas excessivas em doentes terminais, que não trarão qualquer benefício. Imagine um idoso de 85 anos com demência avançada e câncer metastático, que sofre uma parada cardíaca: ele seria elegível para uma UTI? Quem organiza suas diretivas antecipadas de vontades determina que não quer ser submetido a procedimentos que prolonguem artificialmente a existência, mas a maioria acaba perdendo a autonomia, a capacidade de decidir. Morte assistida: tema do Fórum Permanente de Biodireito, Bioética e Gerontologia, promovido pela Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro Engin_Akyurt para Pixabay De acordo com Rafael Esteves Frutuoso, professor de Direito Civil da UFRJ, a origem da polêmica sobre o suicídio assistido vem de um tabu arraigado: “o ponto de partida está na fuga da discussão sobre o processo de morrer. A sociedade não quer tratar do assunto, o que reforça condutas paternalistas no âmbito clínico”. Ele defendeu que o planejamento dos cuidados deveria ser a gestão dos melhores interesses em relação à pessoa: “se isso ocorre ao longo da existência, tem que estar presente também na terminalidade. No entanto, o que observamos é que, mesmo quando estamos lúcidos, mas num processo de terminalidade, há um momento em que deixamos de ser vistos como seres aptos. Deixamos de ser sujeitos e nos transformamos em objeto do cuidado, o que envolve tomadas de decisão unilaterais”. Uma em cada dez mortes é súbita, o que significa que 90% de nós vamos enfrentar um processo de terminalidade, lembrou a geriatra Claudia Burlá, que atua na área dos cuidados paliativos. “Cerca de 57 milhões de pessoas com doenças graves necessitam de assistência, com foco não apenas na enfermidade, e sim nos sintomas físicos, mentais, sociais e espirituais. Um médico sozinho não dá conta, é preciso uma equipe multidisciplinar. A estimativa é de que 18 milhões morram com extremo sofrimento físico, principalmente idosos, o que é inaceitável”, frisou. Na sua opinião, é preciso coragem para iniciar uma conversa que ponha o paciente, e não protocolos, no centro da atenção. O geriatra Daniel Azevedo recordou a história do cientista David Goodall. Em 2016, aos 102 anos e ainda ativo profissionalmente, o centro de ensino para o qual colaborava, na Universidade Edith Cowan, em Perth (Austrália), solicitou que abandonasse o cargo. A entidade voltou atrás após uma onda de indignação provocada pela notícia. Dois anos depois, com a saúde deteriorada, ele se submeteu ao suicídio assistido na Suíça. Na ocasião, declarou: “uma pessoa velha como eu deve ter plenos direitos de cidadania, incluindo o direito ao suicídio assistido”. Azevedo abordou o conceito da morte social, que é dissociada da morte biológica e pode antecedê-la em meses e até anos. “A pessoa perde seu papel social, deixa de ser considerada relevante pela sociedade e percebe um senso de valor diminuído em sua existência. Esse é um quadro que também tem que ser levado em conta”, analisou.